2.7.10

Ching Ling Foo, Chung Ling Soo e o Grande Lafayette

Ching Ling Foo se anunciava como o Mágico da Corte do Império Chinês e logo que, em 1898, chegou aos EUA, aos 44 anos, atraiu a atenção do público americano.




E tanta foi a atenção atraída que não demorou muito para que aparecessem imitadores ocidentais, muitos destes excelentes mágicos.



Dentre eles, destacaram-se o Grande Lafayette e William Ellsworth Robinson, que se apresentava como Chung Ling Soo e veio a alcançar mais fama que o original.



Por mórbida coincidência, tanto Lafayette como Chung Ling Soo tiveram mortes trágicas: Lafayette em um incêndio em um teatro e Chung Ling Soo quando apresentava o truque de pegar com a boca uma bala disparada de uma pistola.



Lafayette, nascido Sigmund Neuberger em 24 de fevereiro de 1872, na cidade de Munique, na Alemanha, era um especialista no número de troca rápida de figurinos e imitou com perfeição o mágico chinês. Mágica oriental era a moda.


Em frações de segundos Lafayette trocava, em pleno palco e sem a platéia perceber, o figurino de militar americano pelo de mágico chinês. Com o tempo de carreira, a complexidade e a rapidez do número foram aperfeiçoados.

Um dos números mais impressionantes de Lafayette era o “The Lion’s Bride”, introduzido em 1901.
O cenário era caracterizado como um picadeiro de circo, no qual um leão repousava em uma jaula enquanto comedores de fogo e contorcionistas demonstravam suas habilidades. A orquestra, então, iniciava uma marcha nupcial enquanto uma jovem mulher adentrava o palco vestida de noiva. A jovem entra na jaula, o leão ruge, pronto para atacar, e a jovem grita. E eis que, em um átimo de segundo, debaixo da pele do leão surge o Grande Lafayette. (Vale anotar que o leão era manso e só rugia, pois levava um choque escondido – o que rendeu uma multa a Lafayette em Pittisburgh por maus tratos a animais).

Na verdade, o uso do leão nos shows já havia causado problemas desde o início.
Durante uma matinê no Brooklyn, em 1902, a porta da jaula se desprendeu e caiu sobre a cabeça de Lafayette, causando-lhe grave lesão que o obrigou a cancelar os próximos shows.

Um ano depois, em Indianápolis, um dos cachorros de estimação de Lafayette se descuidou e se aproximou da jaula do leão, vindo a ser atacado. Lafayette foi acudir seu cachorro e acabou sendo também atacado pelo leão.


(Lafayette adorava cachorros. O cachorro preferido de Lafayette era a cadela Beauty, que havia ganhado de Houdini, e Lafayette a cercava de todos os mimos e luxos.




Sobre a cama de Beuaty Lafayette colocou uma placa onde se lia: “Quanto mais conheço os seres humanos, mais amos meus cachorros”. No capô da limusine de Lafayette havia uma réplica em miniatura de Beauty.).

Na mesma época, em uma apresentação em Londres, o leão conseguiu fugir da jaula. As cortinas foram baixadas e assistentes e espectadores correram para a saída, tendo Lafayette, sozinho, conseguido colocar o leão de volta na jaula. Aliviado, Lafayette relaxou a atenção e acabou sendo atingido no braço pelas garras do leão.


Lafayette fez uma carreira de grande sucesso.

No dia primeiro de maio de 1911 Lafayette estreou uma temporada de duas semanas em Edinburgh. Quatro dias depois Beauty morria de apoplexia. Lafayette ficou inconsolado e apresentou o show da noite tentando disfarçar as lagrimas que lhe escorriam no rosto. Beauty foi enterrada com solenidade sob uma árvore no Pierhill Cemitery, no túmulo de Lafayette.

(Beauty Morta)

No dia nove de maio, quatro dias após a morte de Beauty, 3000 espectadores foram ao teatro ver o show de Lafayette.

Após a apresentação do número do leão, Lafayette se aproximou da platéia para agradecer os aplausos, momento no qual uma lanterna japonesa que adornava o cenário se incendeia. A platéia ficou impassível, achando que era mais um efeito especial. Mas quando a orquestra subitamente tocou os primeiros acordes do hino nacional e as cortinas começaram a baixar, a platéia se deu conta e correu para a saída, enquanto o palco se transformava em um inferno e nuvens de fumaça tomavam conta do auditório.
Dez pessoas morreram no incêndio e uma décima primeira em decorrência das queimaduras.

Um dos mortos era Lafayette, que foi achado ao lado da jaula do leão e reconhecido pela espada que trazia consigo durante a apresentação do show.




Testemunhas disseram, depois, que Lafayette conseguiu sair ileso do teatro em chamas, mas decidiu retornar para tentar salvar seu cavalo e seus cachorros. O corpo foi trasladado para Glasgow, onde foi cremado.
Ocorre que o advogado de Lafayette estranhou que o corpo encontrado e cremado não trouxesse no dedo o anel de diamantes que Lafayette sempre usava. Investigadores retornaram aos escombros do teatro e encontraram, no fosso embaixo do palco, entre os escombros, um outro corpo, este com o anel de diamantes no dedo. Um outro corpo havia sido cremado no lugar do de Lafayette.

Houdini enviou ao funeral de Lafayette um arranjo de flores no formato de Beauty junto com um cartão no qual se lia: “Em memória de meu amigo, do amigo que lhe deu seu melhor amigo”.

Tempos depois Houdini comentou publicamente que invejava Lafayette, pois ele havia iludido seu público “tanto em vida como na morte”.


Lafayette se apresentou como um mágico chinês apenas até se estabelecer profissionalmente.
Já o outro grande mágico que imitava Ching Ling Foo o fez por 18 anos.



William Ellsworth Robinson, filho de escoceses, nasceu em Nova Iorque no dia 02 de abril de 1861. Seu primeiro show de mágica foi aos 14 anos. Com 26 anos Robinson se apresentava regularmente sob o nome de Achmed Bem Ali (nome copiado de outro mágico – Max Auzinger – que se apresentava como Bem Ali Bey). Suas apresentações incluíam aparições e levitações de objetos.


Anos depois Robinson se casaria com sua assistente Olive Path.
Robinson adquiriu seus conhecimentos de mágica trabalhando com Kellar e os Herrmanns. Um agente internacional o contratou para uma turnê pela Europa, mas em face do crescente interesse dos europeus por mágica oriental, condicionou a contratação a Robinson imitar Ching ling Foo.




Robinson raspou a cabeça e o mustache, e viajou para a França.



Com o nome de Hop Ling Soo, Robinson estreou no Folies-Bergère em 17 de maio de 1900. Após, levou o show para Londres, onde estreou em 17 de maio de 1901, já sob o nome de Chung Ling Soo, nome que usaria para o resto da vida.




Os shows se estenderam por três meses, tendo Robinson assinado um contrato para aparições regulares na Bretanha e no continente pelos próximos cinco anos.



Em Bruxelas, Berlim e outras cidades européias Robinson se irritou ao ver a profusão de mágicos que se diziam o maior da América. Por isto, Robinson assumiu de vez sua caracterização e jamais falava em inglês em público.




Em janeiro de 1905 Robinson se apresentou no Hipódromo de Londres, sendo um dos números aquele em que uma bala era disparada e o mágico a interceptava com um prato chinês.




Ching Ling Foo, o mágico chinês, também estava se apresentando em Londres e lançou um desafio: pagaria 1000 libras se Robinson fizesse dez dos vinte truques que ele fazia, ou se Ching não conseguisse fazer qualquer dos números que Robinson fizesse.
Robinson respondeu que não perderia seu precioso tempo com um medíocre mágico de rua.
Ching Ling Foo retrucou dizendo que era ele quem havia sido recebido pelo Imperador Chinês e que Robinson era um impostor americano e que usurpava sua reputação mundial.





O show de Ching ficou em cartaz por quatro semanas. O de Robinson por três meses.
Após, em 1909, Robinson fez uma turnê pela Austrália. Em 1911, já de volta à Inglaterra, Robinson fazia uma matine semanal na qual a apresentação durava 2 horas sem que uma palavra sequer fosse dita.

Robinson desenvolvia constantemente novos números.




Em outubro de 1916, após apresentações em Paris, Robinson e sua trupe se preparam para, em primeiro de janeiro de 1917, iniciar uma turnê mundial de cinco anos, iniciando pela Índia.

O número da bala, no qual o mágico intercepta um projétil disparado contra si, foi um sucesso na Índia.

Mas em razão da Guerra Mundial, a turnê que seria de quatro anos resumiu-se a oito meses, tendo Chung retornado em setembro para a Inglaterra.

Pelo mesmo motivo Chung estava encontrando dificuldades para conseguir material – metal e maquinaria – para desenvolver novos números. Daí que se passou a se interessar pela construção de aeromodelos, cujas apresentações traziam diversão para os soldados. E pela amizade com os soldados foi que Chung conseguia suprir seus estoques de pólvora para o truque da bala.

Na segunda apresentação na Inglaterra, em 23 de março de 1918, nos subúrbios de Londres, a platéia estava lotada.



Às 10:45 horas Chung segurou o prato chinês em frente a seu peito e preparou-se para seu mais dramático número: O Desafiador de Balas.
Dois assistentes se posicionaram no palco, munidos de uma arma de fogo.
Tambores rufaram.
A arma é disparada.
Chung foi jogado para trás, e caiu rolando no chão. Os assistentes se aproximam e Chung balbucia:
“Meu Deus, eu fui alvejado. Baixem as cortinas”.




Dois dias após, já na segunda-feira, o jornal anuncia: “Tragédia no teatro. Mágico chinês morre baleado durante apresentação”.



Após investigações, descobriu-se que o erro foi decorrência de falha no mecanismo secreto da arma de fogo, provavelmente por falta de manutenção adequada. Mas as teorias conspiratorias nunca foram abandonadas.




Chung Ling Soo, ou melhor, William Ellsworth Robinson morria com 57 anos de idade.

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